Platão e Matrix: um comentário sobre a realidade
- Raphael Cela

- 15 de jan. de 2016
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de jun. de 2020

Quando nos primeiros anos do pensar humano, os indivíduos começaram a questionar o conhecimento, a realidade ou a apreensão que se faz dela, talvez não imaginassem que essas discussões perdurariam por tanto tempo e com tanto vigor. Um momento marcante na história do pensamento humano foi quando o homem voltou os seus holofotes para si mesmo, e se perguntou como ele próprio conhecia o mundo que o cercava.
Esse tempo distante nos remete a milhares de anos atrás num pedaço de terra extremamente produtivo e efervescente que denominamos Grécia. Foi onde Platão elaborou o seu mundo ideal, e como símbolo ilustrativo desse mundo nos ofereceu o mito da caverna. Característica marcante do pensamento platônico, o dualismo, se faz presente na sua forma de entender o universo, quando admite a existência de um mundo ideal e um mundo reconhecível pelos sentidos.
Na verdade, Platão acreditava que as idéias eram perfeitas, elas seriam absolutamente caracterizadas por essa palavra que costumamos usar para designar aquelas informações que chegam através das vias sensoriais, a saber, a realidade. O mundo, como vemos, seria uma espécie de cópia dessas idéias. Ou seja, portanto, é preciso desconfiar das informações que nos chegam, e sendo assim, tomar cuidado com as elaborações e sistemas criados a partir de um mundo que não é real.
Finalmente, no mito da caverna, Platão demonstra de maneira magistral o seu entendimento: os indivíduos que estão acorrentados dentro da caverna simbolizam as pessoas que compartilham o mesmo espaço e tempo, ou seja, nós. Esses sujeitos vivem a contemplar as formas evanescentes que são projetadas na parede da caverna a partir de uma luminosidade que as projeta. As sombras, simbolicamente, são as coisas do nosso mundo sensorial, o que vemos, ouvimos, sentimos. Já os objetos ou pessoas que se encontram fora da caverna, e que, por conseguinte, são a origem das sombras que estão sendo projetadas, representariam as idéias.
É interessante notar que há uma espécie de inércia ou comodismo nos habitantes da caverna. Isso fica exposto quando um dos habitantes quebra a corrente e consegue sair dali, primeiramente ele fica estupefato e tem uma dificuldade natural para absorver toda aquela nova informação. Mas, uma vez tendo entendido o verdadeiro mundo regressa ansioso para a caverna, ao contar as novas boas é completamente rejeitado e agredido pelos outros indivíduos. Eles não conseguem suportar a mínima hipótese de que tudo o que os cercam é falso, eles preferem as sombras.
É possível de diversas maneiras traçar paralelos entro o filme “The Matrix” e o mito da caverna. A primeira relação importante é que o filme se baseia também naquela lógica dual ao qual me referi à cima, existe um mundo real e existe um mundo ilusório, o qual é denominado de Matrix. A maioria das pessoas está fadada a viver num mundo de sombras, e alguns poucos conseguem se libertar dessa prisão e alcançar a tão desejada realidade.
Outro paralelo seria a modalidade utilizada pelos indivíduos para conseguirem fugir do mundo irreal. Quando o personagem principal, o hacker Neo (keanu reeves), se depara com Morfeu, o que este faz é instigar aquele a raciocinar, a utilizar sua razão, a lançar sobre o mundo um olhar inquisidor. Ele pergunta, por exemplo: mas o que é a realidade? E assim, de maneira simbólica, auxilia o individuo a achar suas próprias respostas através do raciocínio lógico, através da razão.
A razão, o pensamento lógico, como caminho para o mundo real é absolutamente algo que se encontra em Platão. Quando o individuo que conseguiu quebrar as correntes que o prendiam finalmente sai da caverna o que ele encontra lá fora é o universo da ciência (gnose) e do conhecimento (episteme). Em contraponto à ignorância dos indivíduos da caverna e em paralelo a ignorância que mantém atados a inércia os indivíduos da Matrix.
A análise dessas duas formas simbólicas, o filme e o mito, remete diretamente a assertiva: a realidade pode ser construída e manipulada. À parte com a disputa entre externalistas e céticos, o que fica de lição é que precisamos ter sempre um olhar crítico e questionador sobre aquilo que se apresenta como realidade, como verdade. Antes de existir um software tão poderoso a ponto de poder duplicar a realidade – a Matrix –, existem seres humanos que podem usar a ideologia para manter sob domínio grandes populações dentro de “cavernas escuras” e assim perpetuarem o seu poder à custa da opressão e da desigualdade.
É preciso com urgência que os indivíduos reflitam sobre as ideologias das quais fazem parte, para que sejam menos prisioneiros das ideias e mais agentes das suas vidas. Há muito a ser dito na esteira da tradição do pensamento filosófico, Nietzsche nos ensina: ”Quem tem muito o que fazer mantém quase inalterados seus pontos de vista e opiniões gerais. Igualmente aquele que trabalha a serviço de uma ideia: nunca mais examina a ideia mesma, já não tem tempo para isso; e vai de encontro ao seu interesse considerá-la sequer discutível”. Enquanto houver a incapacidade de analisar com franqueza as nossas próprias idéias, e enquanto de antemão nos considerarmos certos em relação aos outros, que necessariamente estarão errados, não há perspectiva de dialogo produtivo, o que há é a estagnação, a escuridão da caverna, o engodo da Matrix.


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