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Ética e Psicanálise

  • Foto do escritor: Raphael Cela
    Raphael Cela
  • 26 de jul. de 2019
  • 8 min de leitura

Atualizado: 12 de jun. de 2020


Resumo: o presente artigo trata de uma reflexão da atividade prática e dos questionamentos teóricos dos profissionais envolvidos com a atividade clínica, psicoterapeutas e psicanalistas, principalmente no que diz respeito às problemáticas relacionadas à ética na psicanálise. Segue-se um breve compendio sobre a origem do tratamento psicoterápico, e uma síntese da psicoterapia contemporânea. Após isso, alguns conceitos psicanalíticos são esclarecidos no tocante a questões relativas à ética. Enfim, encontra-se uma reflexão sobre o processo analítico, falha semântica e ética.

Palavras-Chave: Psicologia clinica. Psicanálise. Ética.


Colagem de Elisa Riemer.

Introdução

Desde o surgimento da moderna psicoterapia, que nos remete a época em que Freud e Breuer discutiam os seus casos e as possíveis metodologias para tratar os seus pacientes, até os dias de hoje, houve um grande avanço nas técnicas psicoterapêuticas. A psicanálise igualmente teve uma grande expansão, quando os seguidores de Freud paulatinamente foram divergindo do mesmo e conseqüentemente fundando novas maneiras de se pensar os conceitos, a metodologia e o próprio processo analítico que se dá no ambiente psicanalítico.

Nesse tempo naturalmente algumas críticas (ou mesmo muitas críticas) apareceram, duas em especial são tratadas nesse artigo. A primeira diz respeito à aceitação ou não da psicanálise como ciência. E essa é uma questão que imediatamente remete-se ao campo ético, pois como algo que não possui em si as características de uma ciência pode ser um instrumento confiável, sobre tudo no que diz respeito ao processo terapêutico? A impossibilidade de avaliar a eficácia do trabalho do psicanalista, a possível ausência de objetividade, a falta de critérios como fidedignidade e validade, são alguns dos questionamentos que rodam a ética psicanalítica.


Uma segunda crítica gira em torno da seguinte questão: o que o tratamento psicanalítico oferece para os indivíduos que o procuram? Muito se fala de uma prática terapêutica que não normatiza os sujeitos e que de certa forma não ajuda quem procura por tratamento. Se quem procura por ajuda, provavelmente sofre de algo, não é um tanto estranho um tratamento que visa colocar o individuo diante de suas próprias limitações? Ver-se-á que é imperativo entender alguns conceitos dentro do mundo psicanalítico para melhor responder a esses questionamentos.

Esse texto trata, portanto, de uma análise de questões que perpassam pela ética na psicanálise, discutindo idéias e conceitos importantes para o entendimento do assunto, além de uma breve passagem sobre o surgimento da psicoterapia moderna e de como a mesma se encontra nos dias de hoje. Em ultima análise, pretende-se esclarecer a questão da psicanálise como uma ciência, além de discutir o modo peculiar com que se dá o processo analítico, sem é claro perder de vista os aspectos éticos do tema.

Surgimento da Psicoterapia Moderna

Em 1880, O doutor Josef Breuer começava o tratamento de uma paciente que sofria dentre outras coisas de: uma variedade de males físicos, inclusive dores de cabeça, tosse e perda da sensibilidade e dos movimentos em seu braço direito. Com muita surpresa Breuer constatou que os sintomas apresentados por sua paciente desapareciam quando ele a encorajava a falar a respeito de experiências emocionalmente fortes de seu passado.

Ao discutir o caso com seu amigo e colega Sigmund Freud, concluíram que conversar sobre esses assuntos possibilitava a paciente, pseudo intitulada de Anna O, a dar vazão às emoções contidas que causavam seus sintomas. Breuer não deu continuação a sua descoberta por não ter considerado de seu agrado a intensa troca emocional nesse tratamento. Porém, Freud se interessou muitíssimo pelo insight de Breuer, e aplicou a técnica a seus pacientes. O sucesso na utilização levou Freud a desenvolver um processo sistemático de tratamento, que denominou psicanálise. Surge enfim a psicoterapia moderna, que desde então passou por um processo de crescimento tanto qualitativo quanto quantitativo, e hoje as pessoas tem uma enorme variedade de psicoterapias para escolher.

Psicoterapia contemporânea: Um grande mosaico.

Nos dias atuais muitos métodos de tratamento são utilizados para oferecer ajuda a quem procura. Pode-se classificar a psicoterapia atual em três grandes grupos:

  1. Terapias de Insight. Essa abordagem também conhecida como terapia da palavra, aparece na vanguarda da tradição psicanalítica de Freud. Os clientes ou pacientes envolvem-se em extensas interações verbais com seus terapeutas. Há uma busca por uma espécie de autoconhecimento, quando o individuo é colocado como sujeito ignorante de si mesmo, ou seja, precisa-se chegar aos materiais indisponíveis à consciência do paciente, de forma a promover uma relação do próprio individuo com a natureza de seus problemas. Destacam-se entre esses tipos de psicoterapia a Psicanálise, a terapia centrada no cliente e a terapia cognitiva.

  2. Terapias comportamentais. Essas terapias envolvem a aplicação dos princípios de aprendizagem a esforços diretos para mudar comportamentos mal-adaptados dos clientes. O aporte teórico dos psicoterapeutas dessa área é o comportamentalismo ou Behaviorismo. Essa escola de pensamento da psicologia teve forte influência desde a década de 1920. No entanto, somente a partir da década de 1950 os behavioristas direcionaram seu foco para as questões clínicas, foi quando a terapia comportamental surgiu de três linhas independentes de pesquisa, umas delas muito difundida nos dias de hoje é a linha Skinneriana.

  3. Terapias Biomédicas. Diz respeito a intervenções nos mecanismos de funcionamento biológico da pessoa. Muitos de seus tratamentos só podem ser aplicados por médicos formados, por isso a atuação nessa área é praticamente restrita aos Psiquiatras. Essas terapias geralmente partem do pressuposto de que os transtornos psicológicos têm suas causas, ao menos em parte, em disfunções biológicas.

Psicanálise versus voracidade Científica: o conceito de verdade

Discutindo-se a ética na psicanálise, primeiro devo me ater à questão metodológica. De maneira geral a prática analítica não consegue (e não deseja) lidar com as exigências da cientificidade clássica. Características como: controle rígido e absoluto de variáveis, objetividade (com toda a conotação positivista), verificação de instrumentos de medida, fogem ao escopo e a dimensão do tratamento psicanalítico.


No sentido de elucidar questionamentos éticos no que diz respeito à psicanálise devemos ter em conta a ideia de verdade que a mesma aceita e trabalha. Para isso valho-me da teoria lacaniana, que afirma que a verdade tem a estrutura da ficção. Através dessa afirmação aparentemente contraditória, Lacan vem nos apontar um equívoco: não há critérios para se distinguir a verdade da ficção. Em princípio ambas têm o mesmo substrato. Nesse sentido, a lógica que serve à psicanálise não pode ser a lógica aristotélica em que a coisa e sua representação devem se adequar uma à outra para se falar em verdade.


A lógica dual e clássica leva em conta apenas os valores de verdadeiro e falso, não dando conta da verdade com a qual a psicanálise tem a ver. Se a psicanálise traz um modo de pensar a relação sujeito/objeto completamente novo, fica um tanto quanto estranho exigir dela que preencha critérios lógicos que lhe são forasteiros.


Karl Popper afirma que a verdade absoluta é o que permanece sendo o alvo e a norma implícita de todos os esforços críticos (1993). No entanto, a psicanálise não busca uma verdade absoluta, ela não tem essa pretensão, é de uma outra verdade que se trata. Verdade essa baseada numa lógica também outra, uma lógica cujos critérios de verdade são mais indulgentes, abrangentes e condizentes com os fundamentos da psicanálise.


A lógica que a psicanálise lida, admite sempre a inclusão do princípio do terceiro (na lógica clássica aristotélica o terceiro é sempre excluído). Sendo assim, uma proposição ou é verdadeira ou falsa e uma terceira posição é inadmissível. Além disso, a lógica analítica inclui o fator tempo, isso porque ela é uma lógica processual e como tudo que se submete a modificações leva em conta a temporalidade.

A falha semântica e a prática analítica

“Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!” Fernando Pessoa (Álvaro de Campos).

A falha semântica é basicamente uma dúvida uma interrogação que o individuo tem de si mesmo. É frente a essa questão que o sujeito busca um tratamento psicoterapêutico. Nesse sentido, cada abordagem de tratamento vai responder de maneira diferenciada no que diz respeito à questão ética. Na tradição psicanalítica, pensa-se no sentido de que: se alguém busca resposta para um questionamento, busca onde deseja encontrar a resposta, segue-se então a denominação de sujeito-suposto-saber para o processo de transferência que ocorre em uma análise. Mas a prática analítica não visa restituir ao eu a sua função de síntese, não visa levar o analisante a atingir uma normatividade apontada por um mestre que se apresenta como modelo. Ao invés disso, não há um outro que vai dizer o que deve ser feito, um outro ao qual o individuo que sofre deve esperar aprovação. Ora, cria-se uma espécie de contradição entre essas duas falas: primeiro, a de quem busca o tratamento e que procura um sujeito-suposto-saber, segundo, a fala da própria psicanálise, que não visa dar ao individuo uma normatividade, uma resposta a falha semântica. Um questionamento ético para tal situação poderia ser: Por que a psicanálise não se propõe a fazer com que o individuo normatize-se?

Primeiramente para responder à pergunta acima feita deve-se compreender a psicanálise como um campo teórico que constata a existência de um saber sem sujeito e de uma “verdade” que só pode ser dita por partes, a meias palavras. E isso vai de encontro às ditas ciências positivistas, inspiradas num ideal de onipotência do sujeito com relação ao objeto de estudo, visando chegar a algo mensurável, a uma universalização do conhecimento.

Agora podemos caminhar para os três momentos fundamentais e imprescindíveis para que o trabalho analítico se dê. O primeiro momento é quando o individuo, não podendo mais se servir do saber que lhe dava estruturação na vida, sente-se desorientado, sofre e busca ajuda. Fica claro que me refiro aqui à falha semântica, já citada acima.

O segundo momento é o período mais longo, quando se dá a experiência da análise. Nesse nível as identificações vão sendo desconstruídas. Marcam-se os significantes mestres, aqueles que se destacaram na história de vida do sujeito. Enfim, quando através das interpretações do analista que vêem sempre descompletar algo, apontar uma falta irremediável, o sujeito é direcionado á um terceiro tempo.

O término de uma análise se dá justamente nesse terceiro tempo ou tempo final, é quando a impotência de antes se revela como impossibilidade radical, quando a divisão do sujeito, sua incompletude, é subjetivada, assumida, o sujeito pode então lidar com sua falta estrutural. Finalmente, a postura analítica, numa resposta feita ao questionamento acima, busca colocar o individuo frente a suas limitações, dúvidas, fazendo com que o sujeito as trabalhe, não cabendo a psicanálise o papel de solver todas as problemáticas dos indivíduos dando respostas que apontam caminhos, como se a mesma contivesse todo conhecimento para idiossincrasia humana.

Conclusão

Com base no que foi dito é possível afirmar que a psicanálise como prática terapêutica e campo de discussão teórica deve ser entendida através de critérios e noções que lhe pertencem, e acima de tudo, não deve ser entendida sobre uma ótica que funciona com conceitos tão distintos dos seus. A ideia de verdade que se trabalha na psicanálise, a lógica própria estruturante dessa verdade, são aspectos importantes para se entender os mecanismos de funcionamento da mesma e para entender num sentido mais prático, a ética psicanalítica.


Verifica-se também que a o tratamento analítico se baseia não num conjunto de diretrizes de comportamento, mas na tentativa de colocar o individuo de frente com as suas limitações, modificando a relação do sujeito com seus sintomas. Nas palavras de Lacan: fazendo encarnar a castração. Nesse sentido os três momentos do processo analítico são de fundamental importância para que se chegue a bons resultados no ambiente terapêutico.

Referências

Weiten, W. Introdução à psicologia: temas e variações. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2006.

Nasio, J-D. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1999.

Lacan, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

Freud, S. Obras Completas, Volume 13: Conferências Introdutórias à Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Popper, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1993.

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