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Análise: entre a desesperança e a coragem

  • Foto do escritor: Raphael Cela
    Raphael Cela
  • 28 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura
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Vivemos uma realidade difícil, enfrentar a realidade que nós vivemos implica dar a ela o adjetivo que ela merece, o cenário não é menos do que assustador. Precarização do trabalho, hiper individualismo, superficialidade das relações, inflação, violência urbana, crime organizado e etc. Viver em estado de guerra – como no Brasil - significa que estamos sempre numa relação de ameaça as nossas vidas; lidamos com o risco da morte, nossa e de entes queridos; perdemos nosso estilo de vida; temos que suportar o remédio amargo do isolamento social e da vida online, mais “segura”; a economia ameaça desmoronar e levar junto empregos e sonhos; e por fim, nossa esperança em um mundo melhor está profundamente ameaçada, essa esperança que vocês aprenderam a chamar de condição para a vida. Efeitos do Real.


É uma coisa comum, todo mundo diz, sem esperança não se vive, não há vida sem esperança. Por isso decidi falar com vocês hoje sobre essa palavrinha que nos apegamos para afirmar a vida. O Primeiro elemento importante a ser dito, é que no mundo plástico da internet e das imagens, e dos ideais veiculados a partir disso, ser realmente humano é muito mais difícil. Todos os meus pacientes, e esse é um relato de minha experiência de anos de clínica, todos eles lutam para existirem como pessoas reais, fora dos padrões do que é o melhor, do que é o bom. Fazem isso sem saber, naturalmente. As reações que vivemos em momentos de dificuldade tendem a ser classificadas como ruins: então dizem que está errado se você sente medo, desespero, se você fica paralisado, se você não consegue dormir à noite, se não consegue comer, ou se está comendo demais... Quem se encaixa na imagem da vida perfeita da televisão, da rede social, daqueles só querem nos vender produtos?


Os sintomas e as dificuldades que vocês sentem ao atravessar esse momento, alguém precisa dizer a vocês, eles fazem parte desse momento. São um reflexo de quem vocês são ao enfrentar um momento tão difícil como esse, aprendam a respeitar quem vocês são. Esse respeito só pode existir se primeiro vocês chegarem, eu espero que vocês cheguem, pois há os que vivem uma vida inteira sem nascer, se vocês chegarem a si conhecer. De outra forma, vocês podem adorar em vocês um ideal que veio do outro, vocês podem amar uma propaganda qualquer do marketing sutil, e chamar essa propaganda de Eu. No princípio é o verbo, é a necessidade de saber quem vocês são, é o começo da jornada, é preciso pelo menos querer nascer enquanto sujeito. Então: faça-se luz!


Quando topamos nos conhecer normalmente nos iluminamos, não dessa iluminação transcendental, nos iluminamos como quando, simplesmente, se ascende uma luz num quarto escuro. É aí que nos vemos, alguns bem tarde pela primeira vez, e se passa para o próximo estágio: o que é isso que sou eu? A condição de desejar saber sobre si leva a possibilidade de si descobrir por debaixo de toda camada de aparência, mas é preciso saber que o que se encontra aí é um mistério. Na maioria das vezes, nossa existência singular de sujeitos, é bem diferente das exigências sociais e morais que pesam sobre nós, esse é um primeiro susto. Depois é saber até que ponto se pode gostar do que se apreendeu de si. Muita gente dá respostas, ensina vocês a se amarem (sem lhes mostrar, claro, como vocês se alienam de si só por causa dessa pedagogia), não em uma psicanálise, é preciso que vocês descubram, esse é um segundo susto.


Depois de tudo isso, talvez seja possível falar em esperança. Toda pessoa que levou longe de mais o seu processo de análise, descobriu que existe vida depois da esperança. Geralmente a esperança é o último reduto de nossos sintomas, os gregos intuíram isso, não é à toa, foi a única desgraça que não escapou da caixa de Pandora. Freud chamou isso de uma posição infantil, é um estado de espera, criado a partir da demanda que se faz à um outro – seja ele quem for – de que nós seremos enfim redimidos de nossos sofrimentos, ou finalmente entregues nos braços acolhedores de nossa alegre satisfação. É quando se pensa: quando eu conseguir x então serei feliz. Então se espera por x, as vezes se passa uma vida inteira procurando por x. A morte da esperança é o despertar para uma vida em que a possibilidade de apelo ao outro que vai nos redimir já não existe, é o passo entre desejo de reconhecimento e reconhecimento do desejo.


É a forma de resistência mais comum que ouvi na clínica e fora dela: quando isso passa? Sem que se perceba que enquanto se espera (esperança) para que os sintomas passem, esquece-se de viver. A vida passa enquanto isso não passa, e nós resistimos. Suspendemos a vida na esperança de dias melhores, é a infância. A infância é bonita e necessária, é tão boa que muitos decidem permanecer para sempre nela, é cômodo. O passo que separa a criança do adulto envolve tudo isso que falei mais acima e um pouco mais, envolve a capacidade de viver além da esperança. 

 
 
 

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